terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Concurso público e os direitos dos candidatos a posse

Após o julgamento do Recurso Especial de n.º 192568-0-PI, DJU de 13.09.96, pelo Supremo Tribunal Federal é possível reconhecer o dever da Administração Pública de nomear os candidatos aprovados para as vagas disponíveis ou oferecidas no edital.

O voto lúcido do Ministro-relator, Marco Aurélio, acompanhado dos Ministros Maurício Correa e Francisco Rezek, teve a ementa redigida nos seguintes termos:

"CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - PARÂMETROS - OBSERVAÇÃO. As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei interna da concorrência.

CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conduncente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder do ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade.

"Como o inciso IV (do art. 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na seqüência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade do período de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subseqüentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias".

Se a Administração oferece no edital determinado número de vagas é evidente que os candidatos aprovados no limite tem efetivamente direito a nomeação. Se, contudo, não fixado o número de vagas cuja ocupação se pretende, o que em princípio não nos parece correto, é razoável presumir-se que o concurso se destina as vagas existentes e as que vierem a ocorrer no período de validade do concurso.

Nessa situação, ora apresentada, podemos explanar a própria Requerente que foi aprovada em 1.º lugar, foi nomeada e, sem motivos justificadores, foi exonerada. A Administração Pública praticou um ato de extrema injustiça, não praticando atos válidos de acordo com o edital. A não nomeação nessas condições viola direito real e concreto do cidadão-candidato, passível de ser contrastado perante o Judiciário.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, e inciso I, erige os princípios vetoriais da Administração Pública definiu, no que se refere ao ingresso no serviço público, o princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas.

Art. 37: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei".

Analisando os referidos princípios constitucionais e os princípios que concretizam a Administração Pública, faz-se observar a manifestação do ilustre Hely Lopes Meirelles:

"Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em cinco regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da validade da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais".

A hipótese constitucional de admissão está disposta no art. 37, II, que assim expõe:

Art. 37: (...).

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".

Para melhor entender o dispositivo, acima citado, a regra geral de acesso aos cargos e empregos públicos é a submissão ao certame público de seleção através de provas ou de provas e títulos, pelos quais a Administração Pública pode aferir a capacidade e adequação física, intelectual e moral, dentre outros requisitos, dos candidatos submetidos aos processos de seleção e que tenham logrado aprovação e classificação suficiente frente ao número de cargos e empregos aos quais tenham se candidatado.

A seleção através de concursos públicos é instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais, especialmente quando se trata dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. O art. 37 da Constituição Federal expira o fortalecimento do concurso público para a sua concretização. Evidentemente que se um candidato (a Requrente, no caso) é aprovado no concurso público, a própria Carta Magna dá a condição ao cidadão contemplado o direito de usufruir todos os compromissos do edital. Hely Lopes Meirelles advoga tal entendimento:

"O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da Constituição da República. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espétaculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos".

Vencido o concurso, o primeiro colocado adquire direito subjetivo à nomeação com preferência sobre qualquer outro, desde que a Administração se disponha a prover o cargo, mas a conveniência e oportunidade do provimento ficam à inteira discrição do Poder Público. O que não se admite é a nomeação de outro candidato que não o vencedor do concurso, pois, nesse caso, haverá preterição do seu direito.

Apoiando esse entendimento, tem-se o Supremo Tribunal Federal, em suas Súmulas 15 e 16, que assim estão expostas:

Súmula 15: "Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação".

Súmula 16: "Funcionário nomeado por concurso tem direito à posse".

Após o concurso, segue-se o provimento do cargo, que se completa com a posse e o exercício. A investidura do servidor no cargo ocorre com a posse. A posse é a conditio júris da função pública. Por ela se confere ao funcionário ou ao agente político as prerrogativas, os direitos e os deveres do cargo ou do mandato. É a posse que marca o início dos direitos e deveres funcionais, como, também, gera as restrições, impedimentos e incompatibilidades para o desempenho de outros cargos, funções ou mandatos.

Por isso mesmo, a nomeação regular só pode ser desfeita pela Administração antes da posse do nomeado. No entanto, a anulação do concurso, com a exoneração do nomeado, após a posse, só poderá ser feita com observância do devido processo legal e a garantia de ampla defesa. Observando, atentamente, esta realidade jurídica, vê-se que o exercício do cargo é decorrência natural da posse. É o exercício que marca o momento em que o funcionário passa a desempenhar legalmente suas funções e adquire direito às vantagens do cargo e à contraprestação pecuniária devida pelo Poder Público. Assim sendo, a parte Requerente foi demitida injustificadamente, inclusive quando a mesma já tinha iniciado o seu exercício funcional, trabalhando um dia apenas.

Com a posse, o cargo fica provido e não poderá ser ocupado por outrem, mas o provimento só se completa com a entrada em exercício do nomeado. O concurso público, para bom desempenho de seu mister constitucional, há de ser levado a efeito observando-se os ditames constitucionais, sob pena de constituir-se em letra morta, instrumento de manipulação e apropriação dos espaços públicos